6 de novembro de 2016

Ushuaia - 9º dia - Zapala

9º dia –  Bardas Blancas - Zapala
06/11/2016
554 km (4.714 km)

Ontem foi um dia icônico para nós, finalmente entramos no rípio da Ruta 40, depois de tanto ouvir falar, ler, ver fotos e vídeos... estamos rodando nela.

Mas hoje foi o dia que transformou essa viagem em uma verdadeira aventura de moto, o que seria simplesmente um relato com fotos e vídeos, agora se transformou em um monte de história para contar, mas, isso é mais à frente. Senta que lá vem história!

Noite mais ou menos mal dormida. Há 24 horas sem banho. Acordamos bem cedo e após a higiene básica de lavar o rosto e escovar os dentes, arrumamos as tralhas e partimos para o rípio. Hoje não há objetivo, o programa é tocar até onde for possível, visto que o caminho, pelo menos inicial não vai render muito. Café da manhã? Uma barrinha de cereal e um pouco de água.



Até a ponte La Pasarela (rodados 57 km aproximadamente) a Ruta 40 é um misto de situações (rípio, asfalto novo, asfalto antigo, obras), depois é tudo rípio pelos próximos 50 km (até o entroncamento com a 221).



La Passarela

La Pasarela é uma grande fenda na rocha por onde corre o Rio Grande, esta região já é próxima da Reserva Provincial El Payén (La Payunia), inclusive, após a ponte há uma entrada (que dizem) que leva à reserva.

La Passarela
Depois da La Pasarela, o Rio Grande fica à nossa direita sempre, e à esquerda ficam paredões formados por derrame de camadas sobrepostas de lava. Em 14 km depois de La Passarela, o paredão era bem alto, recortado pelo rio fazendo uma grande curva acentuada, neste ponto há uma via crucis subindo um zigue zague bem íngreme entre as pedras do paredão, resolvi subir, em cada cruz eu parava para descansar e a imagem da estrada, do rio e da montanha formavam uma paisagem inesquecível. Lá em cima, muitas mensagens de agradecimento por graças concedidas e uma imagem de Jesus crucificado. 

Subida da via crucis




Eu considero que, deste ponto em diante começa aquela parte da viagem virar uma aventura e ter muita história para contar.

Durante a descida da via crucis, fui rezando, alguns Pai Nosso, algumas Ave Maria e pedindo proteção para nós durante a viagem, que nada de ruim acontecesse a mim e ao Ednei, me senti bem, pois unindo a religião com poder estar naquela paisagem, era fantástico. Mas por ser uma viagem de moto em uma região desértica o maior medo mesmo era sofrer um acidente.

O rípio era bom, a velocidade variava entre 50 e 70 km/h, dando para andar em pé e controlar bem a moto. Mas havia alguns facões com pedras grandes, e em alguns momentos a moto teimava em querer rodar justo ali, mas com controle e velocidade correta dava para ir bem.

Porém, ontem eu já vinha sentindo a corrente da moto dar fim de curso na roldana limitadora de cima, o ronco da corrente passando ali é inconfundível, associei isso ao peso da bagagem e à estrada, pois a moto parecia firme. Mas hoje estava mais frequente, mas a moto continuava firme.

E há 8 km depois do pedido de proteção, a moto ficou com a traseira mole, eu estava em um retão de rípio, em descida, e tinha me empolgado nos 60 km/h, quando a frente subiu num facão das pedras grandes, consegui tirar a frente, mas a traseira pulou para o lado oposto, meter o pé no freio era cair na hora, então tentei controlar a moto até reduzir a velocidade, mas ela ficou incontrolável, e deu mais uns 3 saltos igual cavalo de rodeio, até que a frente entrou em outro facão lateral bem alto, ali o tombo era inevitável, soltei a moto, deixei cair, me enrolei e caí de lado nas pedras da estrada.



Fiquei uns 10 segundos sem conseguir respirar, deitado de costas, olhando para o céu, depois que o ar entrou veio o pânico de ter quebrado alguma coisa. Continuei deitado, olhado para o céu e fui levantando parte por parte do corpo, braços e depois pernas, estava tudo em ordem. Sentei-me, me levantei e o Ednei chegou, muito assustado.



Não ralei nenhuma parte do corpo, somente algumas costelas que começaram a doer. Logo em seguida um argentino com uma Transalp das antigas chegou e nos ajudou a levantar minha moto fazer os primeiros reparos: bolha quebrada, farol ralado e era uma vez um paralama dianteiro.



Depois de alguns “enforca gatos” a Negona deu partida de primeira e eu não entendia como a moto pode ficar tão sem controle daquele jeito, mas bastou pilotar por algumas centenas de metros para descobrir: amortecedor quebrado, a moto estava totalmente arriada, quase que somente funcionando na mola e a corrente dando fim de curso a cada mínima imperfeição do rípio, fui tocando com muito cuidado.

O asfalto começa às margens da Laguna Nueva, e foi um alívio mudar para um piso firme para a moto andar melhor. 

Laguna Nueva
A dor nas costelas estava forte, mas seguimos em frente até a divisa das províncias de Mendoza/Neuquém, paramos em um posto de guarda parque; ali optei por tirar peso morto da moto e deixei uns presentes para os guardas: uma espátula de borracheiro, ½ litro de óleo, 2 câmaras de ar, 1 corrente velha. Foi a estratégia adotada para chegar em uma cidade maior e pensar no que fazer em relação ao amortecedor.

Uma coisa boa: entramos na Patagônia oficialmente!

Passamos por Chos Malal, que era um ponto de parada do nosso roteiro, abastecemos, mas como ainda havia tempo para rodar mais, seguimos.

Logo após a cidade, chega-se no km 2623, onde se encontra o ponto médio da Ruta 40, com uma bandeira argentina hasteada em um mastro levemente curvo (representando os ventos da região), e um monumento com o mapa da Argentina e América do Sul.


Não sei exatamente o porque, mas não pensei em parar em Chos Malal e verificar o problema do amortecedor, confesso que isso virou uma "assombração de fim de viagem", cada vez que a corrente dava fim de curso eu ficava decepcionado. A moral, e o ânimo iam reduzindo inversamente aos km do odômetro. Até aqui não passei a real situação do amortecedor ao parceiro Ednei, afinal, basta um estressado, melhor manter o companheiro com foco na viagem, assim se viaja mais tranquilo.

Seguimos até Zapala, chegamos lá no fim da tarde, já esfriando bastante. Primeira providência, procurar um hostel, encontramos uma pousada mas o local funcionava diferente, ninguém ficava lá, era necessário ligar em um número celular e aguardar trazerem as chaves, óbvio que não conseguimos fazer a ligação e fomos para o hotel cassino da cidade, muito caro, muito caro mesmo. O próprio recepcionista nos indicou o hotel militar, mas como as explicações dos argentinos não funcionam muito bem com a gente, não achamos.

Neste momento, optamos pela opção “chuta o balde” e pagamos a fortuna para ficar no hotel cassino mesmo, afinal já ia fazer 48 horas sem banho!

Ao guardar as motos no estacionamento, chamei o Ednei e passei a real situação da XT, como já esperava dificuldade na busca de um conserto ou de peça para a moto, já relatei o fato como bem preocupante. Mas o cara é incrível, e disse algo do tipo, fica tranquilo que a gente conserta... então...vombora tentar!

Hotel Casino, muito caro, inviável, mas necessário.
No casino arrisquei jogar 100 pesos (20 reais) na roleta eletrônica (vai que ganho o conserto da moto?), a crupier me ensinou a teclar na tela dos monitores da mesa, mas depois que viu que eu só gastaria pouco me abandonou, perdi 30 pesos, valeu a brincadeira.

Em uma noite de domingo, nos resta ir jantar. No no caminho havia uma loja de motos, aberta, com o pessoal organizando o local, ali nos indicaram uma boa oficina para o dia seguinte: El Totó, na rua do hotel.

No Detente Restaurante, truta com legumes ou batatas fritas, preço bem razoável (menos de 30 BRL) para os perrengues passados hoje. Ótimo atendimento.

Trucha a la manteca negra con vegetales grillados.

Fui dormir bem preocupado, pois não se fabrica mais a XT na Argentina, dizem que é uma raridade, e provavelmente vai ser difícil encontrar um amortecedor para substituir, o fantasma do abortamento de viagem nos rondava.

Parte engraçada: ao sairmos para o jantar deixei uma cueca pendurada no espelho do banheiro, em uma luminária, quando voltamos o apartamento cheirava a queimado, o cheiro vinha do banheiro. Encontrei a cueca com dois furos enormes feitos pelo calor das lâmpadas, quase botamos fogo no hotel e, agora ia ter que fazer a viagem com apenas duas cuecas, menos peso ainda...kkk.


Dicas:

- Gasolina: 15,50 AR = 3,10 BRL
- Reserva Provincial El Payén (La Payunia): ao norte, pela Ruta 40, sentido Malargue, entra-se à direita (à leste) para a ruta provincial 186, após 20 km, em uma bifurcação, siga à direita (para o sul) e se chegará à Reserva. É uma região com alta concentração de derrames de lava e vulcões (10,6 vulcões a cada 100 km²).
- La Pasarela: coordenadas: -36.312721, -69.666818.
- Restaurante Detente (Zapala):  Calle Italia 87. www.detenterestaurante.com
- Hotel Casino Hue Melen - Almte Brown 929, Telefone: +54 2942 42-2407 (Muito caro! Apartamento duplo: 300 BRL).


Em janeiro de 2017... fucei muito no Google Maps e achei o ponto exato do tombo, comparando as fotos que tiramos com as imagens do Street View:








Nenhum comentário:

Postar um comentário